João B.Ventura (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)
Inaugurada há 31 anos, a Biblioteca Municipal Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, permanece como um espaço urbano que liberta magia, com um ambiente de esperança e boa vontade, contribuindo, por um lado, para a afirmação de uma nova centralidade e, por outro, para a recuperação da noção de lugar.
As formas híbridas, a organização espacial aberta, as simetrias e assimetrias, o vidro e a transparência, a luminosidade e o brilho, as suas funcionalidades, os movimentos, as múltiplas conexões espaciais e sociais que se produzem e reproduzem no seu interior, são indícios de uma geografia que deixa transparecer a sua missão, objetivos, usos, assim como a sua ordem. Uma ordem que expressa os ideais de acesso público à informação e à cultura e evoca a centralidade da educação, ao mesmo tempo que representa a transformação do conceito de biblioteca enquanto "espelho da sociedade", tendo, por isso mesmo, se tornado num lugar de confluência de valores plurais.
A perceção do espaço da biblioteca através das formas, das cores, dos materiais e da forma como tudo se encontra organizado multiplica os estímulos, define funções, convidando à descoberta. Trata-se de uma espécie de encenação que faz intervir os próprios limites da arquitetura, da iluminação, da circulação e acesso aos documentos como fatores desencadeadores de opções, de escolhas, de itinerários e imaginários do leitor no universo dos livros.
A biblioteca, ou antes, o edifício da biblioteca apresenta-se, ainda antes de ultrapassarmos o seu limiar, como uma dupla montra, primeiro, evocando as montras do comércio tradicional, às vezes das livrarias, e, depois, através da luz e da transparência que irradia para o exterior, mostrando os seus valores sociais.
A biblioteca é também um lugar de afetos, de partilhas, de viagens. Isto é, um lugar vivido, polarizado afetivamente pelos atores-leitores que aí gravitam, recriando no seu interior uma tranquilidade contagiante que convida a entrar e a permanecer. E neste sentido recuperam a qualidade antropológica de “lugar”, identitário, histórico, relacional, refundando o conceito de "espaço liminar". E transformando-se, às vezes, num espaço onde, tal como numa paisagem urbana ou campestre, o mistério e a descoberta se encontram inscritos em todos os cantos e recantos.
Uma biblioteca que convida a entrar e nela permanecer, e que, desde o exterior convida quem passa a adivinhar, através da transparência das suas paredes de vidro, o rumor dos livros e imaginar os seus espaços interiores, abertos, funcionais. Primeiro, o átrio, amplo e convidativo, com o balcão de atendimento e informação. Lugar de passagem ou permanência breve dos livros que foram lidos e devolvidos. Também lugar de exposição de novidades. Depois, a zona dos jornais e revistas. Espaço de informação onde também se pode ouvir música: Mozart, Doors, Madredeus, Charlie Parker. Mais adiante, Spielberg ou Manuel de Oliveira. A transparência das estantes, o mobiliário humanizado. Os jogos e os livros de contos no setor das crianças. Do lado oposto, mas comunicando através de pátios interiores envidraçados, o setor de adultos. Estantes abertas, em livre acesso, despertam a curiosidade. O desejo de ver, pegar, folhear, saltar para o livro do lado. A voz secreta dos livros. Os grandes navios que partem, no poema de Álvaro de Campos. Ou o cais de partida para a navegação mais contemporânea na Internet.
Como muitas outras bibliotecas da Rede, a Biblioteca Municipal Manuel Teixeira Gomes é uma biblioteca de "plano aberto", num só piso, oferecendo o livre acesso às estantes e a possibilidade de escolha direta dos livros, dos vídeos, dos discos. Tal como num supermercado, a traduzir a adaptação aos ideais contemporâneos de democratização do saber e uma nova conceção de gestão biblioteconómica, orientada preferencialmente para a difusão da informação, secundarizando a vertente da conservação.
Esta biblioteca aproxima-se da representação que muitos bibliotecários têm da biblioteca ideal. Espaços abertos, interiores luminosos, com visibilidade a partir do exterior para revelar a presença humana, os leitores, as estantes cheias de livros, desvendando a sua natureza, simultaneamente, de lugar social e lugar de armazenamento e disponibilização de livros.
Uma biblioteca que convida a entrar, corroborando a convicção partilhada por muitos bibliotecários de que os leitores vão às bibliotecas quando elas lhes estão próximas e, particularmente, quando a sua organização escapa ao espaço fechado e silencioso e a sua imagem não é de austeridade, mas antes um espaço vivo, funcional e acolhedor, simultaneamente de informação, cultura e lazer.
Tudo bons motivos para ir à Biblioteca.
DEZEMBRO de 2024.